Podemos desiludir-nos quantas vezes com alguém? Qual é o limite a partir do qual a travessia do gosto ao desgosto toma a forma incontornável de um naufrágio? Disse-me ela: soube naquele dia que tinha chegado a esse lugar sem retorno, onde do outro já nada esperas. A sua luta era que o ódio não crescesse, pois a rejeição essa tinha tomado definitivamente o lugar do coração.
Diz-me ela que já passou o tempo da ferida em carne viva. E ainda assim uma ferida tem sempre uma cicatriz volátil, não é possível saber quando de repente se abre e jorra sangue. Assim aconteceu. Tinham saído por iniciativa dela a uma loja dessas onde se compram coisas para o lar, apenas como amigos. Estranhou-lhe o interesse por lençóis, toalhas, até pratos...e os candeeiros novos que trouxe para substituir uns há muito pendentes, desmanchados. Pediu-lhe ajuda para a escolha. Disse-me ela que pouco depois lhe disse que ia receber uma amiga para passar o fim de semana. E do sangue a jorrar da cicatriz, primeiro apenas um pingo, como se nada fosse, mas depois gradualmente, a consciência da injustiça cometida durante anos. Não era sequer ciúme, mas as muitas discussões sobre a casa, o modo como a casa agonizava de mal cuidada. E o balde do lixo com tampa, anos a pedi-lo. Já não eram gotas, era mais. Levantou-se para ir passar água fria na ferida, deixou a água correr muito tempo, depo