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Pergunto-lhe olha todos os dias para dentro.

Diz-me que sim. Diz-me que ainda pensa nele todos os dias, mas que às vezes já não o faz sempre ao acordar, como antes. Pergunto-lhe se acredita no esquecimento, esse pó fininho que cobre o calendário. Diz que não faz esforço pois acabamos por recordar se queremos esquecer e só esquecemos quando já não fazemos esse esforço.

E ele, pergunto-lhe por ele.

Diz-me que hoje tinha uma voz distante, quase metálica. Entristece quando sente esse frio pois recorda-lhe o modo como lentamente, todos os dias mais um pouco, a foi deixando de amar. Ao mesmo tempo que tinha consciência disso, julgava que era impossível tal acontecer.

E depois aconteceu.

*FV*



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