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Showing posts from September, 2021
Tenho finalmente coragem para lhe perguntar: e o sexo?! Pelo modo como fecha os olhos e se cala, imagino que a pergunta lhe dói. Diz-me que o sexo era um exercício que ele parecia fazer consigo próprio, como um desportista que treina para chegar a uma meta e tornava-se desolador pois ficava cada vez mais aquém dela. Sentia-se quase um instrumento, a trave, as paralelas, ou apenas o chão, ela era apenas o suporte necessário. Chegou a um ponto que ela já não conseguia mais e foi rejeitando pouco a pouco qualquer iniciativa, apenas deixava que ele encostasse o corpo ao seu. Nunca falaram. Quando ela o fez já não valia a pena. Percebeu com clareza que voltar ao ponto de partida não era coisa que ele quisesse, era muito além do esforço de que seria capaz. *FV*
  Pergunto-lhe olha todos os dias para dentro. Diz-me que sim. Diz-me que ainda pensa nele todos os dias, mas que às vezes já não o faz sempre ao acordar, como antes. Pergunto-lhe se acredita no esquecimento, esse pó fininho que cobre o calendário. Diz que não faz esforço pois acabamos por recordar se queremos esquecer e só esquecemos quando já não fazemos esse esforço. E ele, pergunto-lhe por ele. Diz-me que hoje tinha uma voz distante, quase metálica. Entristece quando sente esse frio pois recorda-lhe o modo como lentamente, todos os dias mais um pouco, a foi deixando de amar. Ao mesmo tempo que tinha consciência disso, julgava que era impossível tal acontecer. E depois aconteceu. *FV*
  Pergunto-lhe como foi, como tem sido. E ela diz-me que há momentos em que a dor no peito se agudiza, como aquele em que ele usou apenas uma palavra para definir o fim de um amor tão longo, tantas coisas passadas, partilhadas, algumas de uma dor inimaginável. Uma única palavra, tão natural, trivial e ordeira. Quis dizer que tinha sede, bebeu água, ficou saciado, e agora a sede terminara. Parece-lhe distante, amortecido, frio. Não o terá sempre sido? Apesar de tudo acha que não, consegue lembrar-se de alguns outros momentos. No entanto, no fundo, agradece-lhe pela frieza com que agora a trata, assim como pelo olhar que deitou na sua presença, a uma outra mulher, sabe que por aí se abre a ferida mas também é por ela que se afastará, que irá para muito longe, onde não poderá mais doer-lhe. *FV*