Pergunto-lhe pelas memórias dele impregnadas nas coisas.
Diz-me que no quotidiano não, é como se isso se tivesse esvaziado aos poucos, há meia dúzia de coisas na casa com a inequívoca marca dele. Mesmo a cama dela onde tinham dormido tantas e tantas vezes, dizia-lhe agora que tinham sido muito mais as vezes em que lá dormira sozinha. Por insistência, buscava memórias dos corpos e do amor, na tentativa de lembrar como tinham sido, mas naturalmente isso não lhe ocorria. Sim, claro que houve momentos em que ele olhou para ela e disse que a amava, não consegue é recordar-se da última vez que o fez.
Nos outros lugares sim, naqueles pelos quais tinham os dois passado. A cozinha daquele lugar de férias ainda cheirava à massa de peixe que ele tinha feito, a mesa os risos dos amigos que a haviam saboreado e elogiado. Esses lugares tinham centelhas de felicidade e doía a sua ausência. Mas bastava-lhe um momento para se interporem as sombras, mesmo nesses lugares. E ela ficava com pena de não ter chorado na altura, de ter guardado cada pequena dor na esperança que ela se fosse como por magia. Afinal tinha-as acumulado, tinha uma arca, bastava abri-la para saber que o futuro tinha que ser outra coisa.
Diz-me que se até os amores felizes quando acabam são inevitavelmente tristes, este que nunca se iluminou em risos, como poderia acabar de outro modo.
*FV*
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